Um medo de morte
- teresa peixe
- 10 de out. de 2017
- 7 min de leitura

Apesar de ter escrito sobre os meus cremes há uns tempos atrás e continuar a achar que são mesmo mesmo bons, julgo que a minha pele (todas talvez) passado uns tempos, se “cansa" dos mesmos produtos. Por isso, estava eu em busca de novos, que obedecessem a todos os meus requisitos, quando tropecei num “ritual” que gostava de ter coragem de experimentar - oil pulling. Resumidamente, consiste em, logo ao acordar, ainda em jejum, “bochechar” 10 a 20 minutos com, neste caso, óleo de coco. “Diz que” faz maravilhas, pela boca e pelo corpo, por “remover” as toxinas… enfim, estava eu a ler sobre o assunto e a minha cabeça começou logo a matutar no habitual. O que seria se engolisse um bocadinho...
Como já disse em vários posts, geralmente nos que se referem a comidas (não sei se terei feito referência em outros), sou um bocado esquisita, asséptica etc… disse até que roçava o campo da psiquiatria, ali no limite da doença obsessiva compulsiva…
Tudo isto tem uma razão de ser e, para estar a escrever este texto, tive que me encher de coragem, vamos ver como corre.
Antes de começar a escrever fui ver o que diziam na internet sobre o assunto, coisa que só fiz há uns anos atrás, por uns escassos minutos. Hoje consegui aguentar um pouco mais.
Sofro de uma coisa chamada Emetofobia (por favor, se o nome não vos disser nada, vão espreitar, porque ando bem, mas não estou curada o suficiente para, depois de ter lido sobre o assunto, conseguir escrever a “aquela" palavra! Além disso deixo o link para a Wikipédia porque, para além de me ter rido com o primeiro parágrafo - por favor leiam, e percebam que quem não tem este medo bebe leite azedo - diz o essencial)
Já dei voltas à cabeça para perceber quando surgiu, mas não consigo precisar.
Diria que toda a vida, uns dias com mais intensidade que outros.
Quem me conhece estará já a pensar “ahhh, por isso é que é tão magrinha” em vez de “ahhh, por ser magrinha não gosta de falar nisso”, que será mais o caso. Sempre fui, tendencialmente, magra. E sou magra porque sou inconstante a comer. E sou magra porque, pronto, está bem, tenho este medo que, por vezes, me limita! Ainda assim, acredito que não é só o medo que faz com que não engorde!
Faço aqui um aparte para vos dizer o que é o meu pequeno almoço na maior parte dos dias: Um batido de bebida de arroz com 1 banana, flocos de aveia, nestum de arroz e manteiga de amêndoa e ainda duas torradas com queijo ou o que houver! Satisfeitos?
Portanto, eu como bem, quando como! A questão é que pode não me apetecer jantar, por exemplo, e uma pessoa escanzelada como eu, não se pode dar a esses luxos… mas dou!
Se gostava de ter mais uns quilinhos? sim, muito. Para lá caminho, espero!
Voltando ao meu medo. Nunca conheci ninguém que o sentisse como eu, e cruzei-me com uma única pessoa que tem o medo diametralmente oposto ao que sinto. Ou seja, eu tenho medo do “evento" em mim, ela tinha medo de assistir à coisa vinda de outra pessoa. Portanto, a minha companhia ideal e com a qual me sentiria em segurança! ahahaha Por acaso tive um “ataque de medo”, como lhes chamo, e essa pessoa superou-se. O que me deixou, tremendamente agradecida.
Aqui por casa, nunca ninguém entendeu bem. O meu pai talvez fosse quem mais tentava perceber. O que, sendo gastroenterologista, lhe dava um certo mérito! Devia fazer-lhe tão pouco sentido, como para mim faz sentido nenhum que seja uma reacção “normal” do organismo!
Bom, isto tudo para dizer que ninguém entende. Ninguém entende e, como li algures (se calhar na Wikipédia), todos respondem “ninguém gosta!”. Hum-hum. A questão é querer ver o resto e querer saber agir em conformidade!

Tirei esta fotografia há um ano no dia das bruxas, em casa da minha irmã... Guacamole... quase curada, hã?!
A fase mais aguda, vamos chamar-lhe assim, foi há uns largos anos. Ai sim, comer era um tormento. Era o equilíbrio entre, não direi o estar viva e o não estar, mas entre o manter-me “saudável” e o poder ir parar a um hospital por carência.
Vivia como uma rainha em casa, com o meu pai como “provador oficial”, e fora de casa, com amigos que sabiam e percebiam o meu medo. Amigos que cozinhavam para mim e me diziam as vezes necessárias: “está tudo bom”, “é também o jantar dos meus filhos” (frase que ouvi há uns dias atrás, curiosamente!). Amigos que compravam uma caixa de Dom Rodrigos (que adoro, mas não corro o risco) e comiam um, para eu umas horas depois comer os outros todos! E amigos a quem ligava e vinham de imediato ter comigo se preciso fosse.
Era um processo difícil. É um medo presente todos os dias, a quase todas as horas. Ainda que pareça adormecer de quando em vez. É uma luta constante entre o medo e o ter que comer. Não posso atravessar a rua e fugir deste medo. Não posso pedir a alguém que “trate” do medo. Que mate o medo. Nisto sou egoísta, vá, é um medo só meu!
No meu caso, não sei de outros, é um medo que surge mais de noite. Sempre foi. Mas visita-me com sol, também!
É engraçado porque estou a escrever e a tentar lembrar-me de como era, porque agora, apesar de volta e meia aparecer em grande estilo, já aprendi a conhecer melhor o malandro. A dar-lhe tempo para se ir embora, a contrariá-lo. Mas nem sempre consigo e lá mando uma mensagem aos amigos que me dizem “ não vai acontecer nada!” ou que me ocupam a cabeça com perguntas que me desviam do medo. Portanto, o medo está cá, só sei lidar melhor com ele.
O que este medo passou a limitar na minha vida é enorme. E foi mudando com o tempo. Dantes não associava o medo a situações novas. Ou velhas. Por exemplo não pensava duas vezes em fazer uma viagem de comboio ou avião. Não associava o medo a essas coisas. Embora o medo pudesse surgir durante as viagens. Agora penso. Evito-as. Preciso de controlar a situação. Imaginem como reajo a uma proposta para um cruzeiro...
Não vou falar do que sinto e como identifico o medo, talvez não valha a pena a descrição. Na verdade comecei a perceber o que sinto e a dizer-me que nada vai acontecer se os sinais são os mesmos. E felizmente, não acontece. Há muito tempo. Espero que dure para sempre. São sinais de ansiedade, medo, pânico, que acabam “bem”. Por vezes surgem de outra forma e esses momentos são os mais difíceis porque, não identificando os sintomas, penso: “É desta!”
Como farmacêutica que sou, (saibam que, ao contrário do que todos pensam, os farmacêuticos e médicos não gostam de tomar medicamentos) sei que os medicamentos existem para serem tomados, e alturas houve em que diariamente tomava xaropes usados para “más-disposições”, calmantes mais do que uma vez por dia… para comer tranquilamente.
Ainda tomo meio comprimido à noite ou fim de tarde, conforme me sinta, de uma coisa franquinha, que me ajuda a não deixar que o medo cresça ao ponto de pânico.
A meditação neste caso acho que me tem ajudado muito, também.
Acho que uma boa forma de vos dar a dimensão deste medo é a conversa com a anestesista da única operação que fiz. Veio explicar-me tudo e tal e a única coisa que lhe pedi foi que me garantisse que não iria vomitar quando acordasse. Tive mais dias a antieméticos do que a analgésicos!!!!
Ao longo dos anos tive vários amigos que me sugeriam estratégias, que me ouviam a qualquer hora, me acompanhavam e distraiam até o medo passar.
Há uma história engraçada. Estava em NY com a minha irmã, tinha acabado de beber um capuccinho no SB e preparava-me para dormir. A minha irmã adormeceu e eu nada! Por estar a ficar com medo e a alimentá-lo.
A minha irmã, gastroenterologista também, é o oposto de mim e mais não digo. Naquela altura ainda não tinha visto o meu medo em acção, por isso para mim era óbvio que não a iria acordar e teria que ligar para lisboa…
Eram 4 da manhã cá! Mas o medo estava no nível “terrível”.
Do outro lado uma voz estremunhada atende o telefone. Explico o que se passa. Calmamente são me transmitidas as instruções: vai à casa de banho. Abre a água quente. Põe as mãos por baixo da torneira… Assim fiz. “Tás melhor?”, “Um bocadinho”, “conta-me lá como foi desta vez. E como tem sido a viagem?”, “blá blá”… “tas melhor?”, “tou! Obrigada! E desculpa!”
No dia seguinte liguei a agradecer e o que ouvi foi: “ o que é que eu te disse para fazeres?” ahahahah
Estarei eternamente agradecida a tantos amigos por estas situações. Aproveito para agradecer a cada um, eles sabem quem são. E sabem o conforto que me deram e dão.
Isto tudo para dizer para valorizem os medos que vos são contados. Não lhes dêem espaço para crescer, não os alimentem, mas tentem perceber o que está para além do medo. O que determinado medo faz a determinada pessoa. Que limites provoca. E qual a forma de poder torná-la mais confortável, mais confiante em caso pânico. Depois, fora do pico de medo, tentar perceber tudo o resto, mas não escarafunchem numa ferida quando está aberta.
No meu caso, agora, e não é de há muito tempo, há um esforço quase constante em tentar não pensar em riscos ou mais num se acontecer logo se vê, porque de facto antecipar nada adianta. Ainda assim, desinfecto a mãos vezes demais, e se ouço falar em crianças ou adultos com viroses fico a pensar nisso…
Curiosamente, tenho um cão que deixo que durma na minha cama e embora lhe limpe as patas faz-me acreditar que o meu medo é selectivo!
Ah, se fizerem o oil pulling, digam-me como correu! ;)
Eu cá vou relaxar que escrever isto deixou-me exausta!

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