15 e as baleias que fingimos não ver
- teresa peixe
- 6 de mai. de 2017
- 8 min de leitura

Queria escrever um post válido sobre um assunto que não domino, mas que nos rodeia a todos. A vida toda. A vontade veio, claro, das notícias que me passam à frente sobre "jogos" que envolvem mutilações e suicídio, sobre séries acerca do tema, que curiosamente surgem ao mesmo tempo. Será a tal manipulação que falam? Existe? Acredito que sim. E acredito que surte efeito, negativo na maioria das vezes. Para poder escrever fui ver as linhas temporais de ambos e informar-me o mais que pude, não para dissertar sobre o assunto, mas para poder dizer o que penso. E se isto puder ajudar uma pessoa que seja, já valeu a pena. Gostava de escrever para os teenagers, que são os que se podem tornar vítimas desta coisa. Tanto por estarem fragilizados ou por, com tanta notícia, se sentirem abafados em perguntas e controlos repentinos e porque os pais, os adultos, têm todos os especialistas a escreverem sobre o assunto com os sinais de alerta e medidas a serem tomadas...mas eu não sei se posso, se sei escrever para uma audiência tão exigente e, por isso, vou só escrever...para todos.
“13 Reasons Why“ é o título original do livro publicado por Jay Asher em 2007 e sobre o qual se baseou a série. Aborda o suicídio de uma adolescente e as 13 razões que a levaram a cometê-lo. Do “Baleia Azul” quase todos sabemos quase o mesmo. Existem os “curadores” que ao pedido de participação no jogo por perfis de jovens fragilizados, os obrigam a cumprir 50 desafios que vão desde a auto mutilação, a assistir a filmes de terror e psicadélicos e que terminam com o desafio de acabar com a própria vida. Os desafios são, dizem, lançados sempre às 4.20 da manhã e os mentores pedem de seguida fotografias ou fazem perguntas, para garantir que a tarefa foi cumprida. Surgiu em 2013, na Rússia, talvez ainda não na forma de “Baleia Azul”. O nome julga-se ter surgido de uma das teorias que estuda o “comportamento” (ainda sem uma explicação concreta) que leva algumas baleias azuis, aparentemente saudáveis, a dirigirem-se para as costas, acabando por morrer. Há quem diga que o “jogo” não existe. Há quem diga já ter tentado entrar em grupos e falado com curadores, uns verdadeiros que surgem com ameaças caso não se cumpram os desafios e outros "não-verdadeiros" que estão nos grupos a tentar demover quem pretende entrar. Não sei se é importante saber totalmente os contornos e as formas de chegar aos curadores ou as formas como interagem. Talvez essa seja a tarefa das autoridades. Importa sim, a meu ver, que se entenda que se não existem esses “administradores” existirão outros, existirá sempre quem olhe para este “jogo” como uma ideia a cultivar e promover e outras formas de “jogos do género” irão aparecer. Se calhar já existem e estamos todos, nós os adultos, tão focados no mesmo que nem damos pela sua existência. Caso existam e tenham conhecimento, por favor, digam-no. Seja aos vossos amigos, pais, primos, professores, alguém em quem confiem e que considerem que possa ser uma ajuda.
Todos nós sabemos que existem pessoas más, mal formadas, com problemas graves psiquiátricos que, embora não saibamos porquê, se alimentam de comportamentos destrutivos provocados em outros, geralmente frágeis.
Todos nós sabemos que existem pessoas frágeis ou que se encontram em fases de sensibilidade extrema e que qualquer atitude pode ser uma bóia ou um peso nos pés.
Este assunto, ter lido sobre ele e ter visto a série fez-me voltar ao passado, ao que agora se chama bullying, e pensar que todos, sem excepção, passámos por algo parecido, vivido ou assistido.
Sempre contei uma história que achava piada...
Passou-se numa festa de anos, daquelas dos anos 80/90, em que íamos a casa de alguém, se tinham as luzes baixas e dançávamos os chamados “slows”. As meninas estavam sempre desejosas de serem chamadas pelos meninos bonitos para dançar e lembro-me de um desses meninos bonitos, com outros a assistir, se dirigir a uma das meninas de menos sucesso e perguntar: “Queres dançar?”, e ela ainda a nem acreditar que atrás dela estava a parede e não alguém a quem o bonitão se pudesse estar a dirigir, respondeu timidamente: “sim.”... Claro está que a grupeta de rapazes rebentou a rir com um “então vai!”
Sim, há histórias com graça e não podemos fazer de tudo um drama. A verdade é que não sabemos dar dimensão a uma coisa que não nos atinge, nem ver tudo limitados pelos nossos olhos, pelas nossas vivências, nem mesmo pelo riso da menina depois de ouvir aquela resposta.
Quero com isto dizer que não podemos andar à procura de sinais, porque vamos de certeza encontrar o que quisermos, mas não podemos achar que as coisas só se passam na casa ao lado. Ou noutros bairros, ou noutras escolas e com outros que não fazem parte do nosso grupo de amigos.
Quando comecei a pensar escrever este post questionei alguns pais e não houve um único que não dissesse “eu conheço os meus filhos, não têm perfil... eu saberia...”. Espero, obviamente, que sim! Mas será assim tão fácil de perceber? Serão todos os outros pais e amigos e professores e profissionais de saúde tão distraídos? Sim, em muitos casos são, mas em muitos outros não serão.
Quando há uns dias comentei este assunto com uma professora de um liceu fiquei a saber que não sabia nada sobre o “jogo” ou sobre a série. E a propósito disso contou-me um episódio em que uma menina pediu para ir a casa de banho a meio de uma aula. Ao contrário do habitual e perante a insistência da aluna, lá acedeu. Depois de sair da sala as amigas foram ter com a professora e explicaram que ela iria a casa de banho para se cortar com uma lâmina e que há uns tempos isso se tornou “moda”, pelo menos naquela escola. Na verdade fiquei tão parva que nem fiz mais perguntas. Agora sinto-me mais parva ainda.
Acho que os amigos (e até os menos amigos) tem o dever de estar atentos. De tentarem saber se se passa alguma coisa quando alguém vos parece diferente, ou apresenta sinais que associem a coisas menos boas (estar mais triste, mais isolado, com conversas diferentes, com pior cara ou até com sinais de que se anda a magoar) ou assistirem a cenas de “agressão” por mais insignificantes que possam parecer, acima de tudo tentar perceber, com essa pessoa, o efeito que essas coisas têm e se se repetem e com que intensidade. Isso é ser amigo. Por muito que às vezes não nos apeteça ter esse papel. E seja mais fácil ir ter com os que fazem disparates e nos fazem rir. Mas essa atenção pode fazer a diferença num dia de alguém que está menos feliz nesse momento. Depois é necessário ir acompanhando, mesmo que de longe e avaliar se e quando se deve pedir a intervenção de um adulto. Em situações graves, não se está a trair ninguém quando se relatam factos a um adulto, sejam pais, professores, qualquer adulto que possa agir, poderá fazer a diferença. Mesmo correndo o risco desse “amigo” nos ficar a detestar naquele momento.
Todos temos falta de tempo. Todos temos os nossos “trabalhos”, os nossos problemas, as nossas coisas que gostamos de fazer, mas temos dentro dessa falta de tempo de arranjar tempo para olhar para os outros, para fazer pelos outros, para perceber os outros, para querer saber dos outros. Numa sociedade marcada pelo ter sucesso, é difícil para todos admitir que não o têm. O medo do insucesso não pode ser maior que o resto. E não há ninguém que viva em sucesso o tempo todo. Muito menos numa idade tão frágil e absorvente como a adolescência. E bullying não pode ser só entendido quando um grupo de miúdos decide filmar com telemóveis as agressões físicas que fizeram a outros, em bairros ou escolas problemáticos. Esses, são os casos de sucesso, muitas vezes. Bullying pode ser não ouvir um “bom dia” de volta.
A série 13 Reasons Why, é uma boa série. (Espero que não façam uma segunda temporada... mas o dinheiro move-nos!) Tem bons planos, boa música, bons actores. E todos deviam vê-la. Os adolescentes porque são adolescentes, os adultos porque já foram adolescentes e porque todos iremos lidar com adolescentes, mais cedo ou mais tarde. Mesmo que vos pareça não terem paciência, alguma coisa vos irá ficar dela e pode, quem sabe, ser importante. Há sempre o comportamento arrogante que tão bem conheço de olhar para o lado e fingir que não é nada com eles. Classificar miúdos como “atrasados mentais” por se “deixarem” levar por este “tipo de coisas”. Será mais fácil? Será ignorância? Egoísmo?
Quando era recém-adolescente um amigo meu, mais crescido, deu um tiro na cabeça e outro, anos mais tarde, atirou-se de uma rocha alta. Não acho que esteja mais interessada no assunto por isso...
Ver a série talvez vos faça lembrar, como a mim fez, do bullying que sempre existiu. Que eu própria sofri de uma forma ou de outra, mas o que dantes eram episódios que se perdiam no tempo, agora podem ser alimentados por tempo indeterminado nas redes sociais.
É importante ver o sorriso e o querer continuar da personagem principal, que parece acreditar até ao limite que vale a pena tentar viver. O que foi feito que a fez sentir-se cada vez menos capaz? Qual foi o papel de cada um antes e depois das cassetes? Quem faz mal a quem? Há alguma polémica à volta do que fazer com esta série. Como em tudo, acho que deve existir um equilíbrio, que se deve falar sobre os assuntos e esta serie parece-me a ideal para debater este.
Pergunto-me se posso ter um adolescente mais sensível a ler o que escrevo e que possa ver a série e sentir-se encurralado. Até que ponto a vulnerabilidade leva ao contagio neste tipo de comportamentos? Digam-no, por favor. Ao melhor amigo, ao pior amigo, ao psicólogo da escola, aos pais, mas digam! Pergunto-me se miúdos que assistam à serie se possam sentir culpados por determinados comportamentos. Será nesse caso necessário tranquilizá-los e desculpá-los e ensiná-los. Nem todos os adultos são capazes de dar essa ajuda. Tenham isso em atenção. E não desistam de pedir ajuda.
Se a série deve ser vista com os pais, não sei. Existem cenas explicitas que na adolescência, por vezes, não são fáceis de assistir com adultos... cenas de abuso sexual e uma outra cena que poderá impressionar alguns. Contudo, podem e devem discutir os episódios. Que isso seja um motivo para as conversas que tantas vezes deixam de existir. Vejam a série, troquem ideias, esclareçam dúvidas. E nunca minimizem uma situação que provoque tristeza. Percebam-na. E encaminhem-na se necessário.
Existem famílias inteiras que acham que psicólogos e psiquiatras, para nada servem e que tudo se resolve dentro das “nossas” 4 paredes. E outros ainda que acham que só pessoas fracas e estúpidas e burras se deixam influenciar por este chamado bullying, por estes chamados “jogos”. Não há controlo parental possível para esta coisa da internet e seus conteúdos. Quem quer encontra. E quem desconhece basta assistir a meia dúzia de séries para ficar a par da darkweb e afins (e afins, neste caso, é muita coisa mesmo), por isso interessa ter tempo, arranjar tempo, a tempo de perceber o que nos rodeia, em casa, na escola, à nossa volta, e querer ter disponibilidade e vontade para esclarecer e conversar. Especialmente, para estar atento. Não esperar que surjam noticias para que se preocupem e vejam coisas onde elas não existem ou achem que nada disso se passaria convosco.
Fora de Portugal houve um aumento significativo do número de chamadas para as linhas de apoio. Deixo um link com os contactos que temos em Portugal:
Por fim acreditem que é bom estar vivo. Que às vezes não é fácil. Mas que tudo de mal melhora sempre. Que passa sempre. E se nos permitirmos ter ajuda e ajudar, teremos dias bem mais bonitos.
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